Bits to Brands #174 | O Instagram acabou
A rede das fotos e dos filtros, como a conhecíamos, não existe mais.
Previously on..
#172 | A Mulher da Casa Abandonada
#173 | Me diz aonde buscas…
Tempo de leitura: 8 minutos
A edição de hoje está mais longa que o normal, pois foi complementada por uma das melhores leituras que eu fiz nos últimos tempos. Tem mudanças importantes acontecendo na maior rede social do mundo, que certamente vão impactar como a gente se relaciona, consome e convive. É importante analisá-las com atenção. Espero que esse texto te ajude :)
- Beatriz
(para falar comigo, responda esse e-mail ou escreva para beatriz@bitstobrands.com)
Você deve ter visto o protesto “Make Instagram Instagram Again” nos últimos dias. Se não pelos Stories de algum amigo, a publicação viralizou depois que Kylie Jenner e Kim Kardashian a compartilharam.
Pouco mais de doze horas depois, Adam Mosseri divulgava um vídeo esclarecendo as mudanças recentes na platforma. Spoiler: elas vieram para ficar. E um social media perde um dia de vida a cada novo vídeo do Mossei explicando de um jeito amigável coisas que ele não queria ouvir…
Talvez a ficha só caiu agora por conta da intensidade e da frequência das mudanças. Talvez seja uma questão geracional - millennials, geração Z e o consumo de fotos versus vídeos. Talvez o Zuckerberg tenha perdido a mão com todo o papo de “metaverso” enquanto na prática só faz copiar o TikTok.
Mas o fato é que não vai ter “Instagram Instagram Again” porque, na verdade, esse “Instagram” que inspira tanta nostalgia não existe mais faz tempo.
A partir daqui, vou complementar com trechos do brilhante “Sem Filtro”, livro de Sarah Frier que conta os bastidores do Instagram - da criação até a saída dos seus fundadores.
(Sempre que um texto aparecer assim, menor, é um trecho do livro)
.
O tal “Instagram”, que começou como um aplicativo de fotos com filtros, foi criado por Kevin Systrom e Mike Krieger em 2010, com foco em fazer uma coisa muito bem: fotografia, e a interação e descoberta a partir dela.
“A popularidade inicial do Instagram se devia menos à tecnologia do que à psicologia - como fazia as pessoas se sentirem. Os filtros transformavam a realidade em arte. E então, ao catalogar essa arte, as pessoas começavam a pensar sobre a própria vida, sobre si mesmas e seu lugar na sociedade de um jeito diferente.
(…) Novos usuários do Instagram descobriram que coisas básicas, como placas de rua, arbustos de flores e rachaduras na pintura das paredes, subitamente mereciam atenção, em nome da criação de postagens interessantes. [As fotos no Instagram] transformavam momentos em memórias, davam às pessoas a oportunidade de olhar para trás, ou para o que haviam feito no dia, e sentir que era tudo lindo.”
.
Apenas dois anos depois, eles venderam sua empresa para Mark Zuckerberg e se tornaram parte do Facebook, na esperança de que isso garantisse a longevidade e evolução do produto, mantendo a sua liberdade criativa e propósito intactos. Spoiler: não dava para ter tudo.
“[Após o anúncio da venda] Alguns dos 30 milhões de usuários do Instagram estavam tuitando a respeito de uma preocupação diferente: que o Facebook dissolvesse o Instagram, ou que o incorporasse ao feed de notícias, ou que simplesmente colocasse seu próprio selo no produto, enchendo-o de recursos que acabariam com a simplicidade.
(…) Zuckerberg não sabia como as coisas aconteceriam. Mas sua motivação é descrita em um livrinho entregue a novos funcionários do Facebook a cada segunda-feira de manhã. Em uma das últimas páginas, há algumas frases que explicam a sua liderança paranoica: “Se nós não criarmos aquilo que mataria o Facebook, alguém o fará. A internet não é um lugar amigável. Coisas que não são relevantes nem se dão ao luxo de deixar ruínas. Elas desaparecem”.
.
Ainda em 2012, Kim Kardashian cria a sua conta no Instagram, marcando o início de uma nova era no mundo das celebridades, que ganharam uma plataforma para compartilhar as suas vidas e intimidade em primeira pessoa.
O que se inaugura aqui, também, é a exploração da imagem como produto, que tornou-se parte da rotina das pessoas para muito além daqueles que tinham milhões de seguidores e um nome conhecido mundialmente.
“As pessoas instafamosas que vendiam no aplicativo não seriam chamadas de “vendedores”. Seriam denominadas influencers, os “influenciadores”. Parecer genuíno seria uma prioridade máxima. Mas honestidade e verdade seria difícil com tanto dinheiro em jogo.
(…) As Kardashians, que construíram uma base de fãs se mostrando vulneráveis na televisão e depois no Instagram, conseguiram fazer que seus seguidores se sentissem como se a família fosse sua amiga, e não vendedores lucrando com seu consumo.
(…) Anos mais tarde, haveria pessoas semifamosas fingindo ser vulneráveis para poderem vender produtos que fingiam amar, o que sustentava um estilo de vida que elas fingiam ser autêntico.”
.
Em 2013, o primeiro anúncio de uma marca foi ao ar no Instagram. Era de um relógio da Michael Kors, e era essencial que aquela #publi se encaixasse aos padrões estéticos e aspiracionais da plataforma.
Esse preciosismo, claro, não era escalável. E tempos depois, o Instagram se integraria à plataforma de anúncios do Facebook e receberia todo tipo de publicidade.
“Só uma marca por dia, decidira Systrom. E era inegociável. (…) Os nomes dos primeiros anunciantes estavam mapeados com caneta vermelha na agenda do quadro branco. Systrom os examinava, um por um, e decidia o que era ou não bom o bastante.
(…) Systrom e Krieger queriam que o Instagram ganhasse dinheiro, mas estavam de acordo: se o aplicativo se afastasse muito de suas raízes e cedesse às necessidades do mundo da publicidade, correria o risco de perder tudo que o tornava especial.”
.
Quando as pessoas começaram a sentir os efeitos da pressão de postar apenas coisas bonitas, estéticas e “instagramáveis” em geral, a efemeridade do Snapchat foi um alívio. Um lugar para ser espontâneo, criativo e livre. E um grande sucesso.
Em 2016, Kevin Systrom liderou o lançamento dos Stories, em uma tentativa clara de neutralizar a ameaça do Snapchat à sua popularidade entre celebridades e jovens.
“O Snapchat era uma maneira de dar a cada pessoa seu próprio reality show. (…) Os usuários do Instagram agora tinham um lugar onde pôr todo o conteúdo cortado. Se eles não tornassem possível colocar esse conteúdo no Instagram, poderiam perder essas pessoas para o Snapchat para sempre.
(…) [No lançamento dos Stories] Todas as principais manchetes tinham alguma versão da palavra “cópia”. Ao não negar, Systrom minou a força das críticas. Ele explicou que era apenas uma nova forma de comunicação, como e-mail ou mensagem de texto, e que só porque o Snapchat o havia inventado não significava que outras empresas deviam evitar usar a mesma oportunidade.”
.
Os Stories foram uma adição bem-vinda e rapidamente adotada pelos usuários do Instagram, aumentando o potencial de uso e tempo dos usuários na rede social, justamente num momento em que o seu “irmão” Facebook lidava com os escândalos envolvendo a Cambridge Analytica e as eleições de 2016.
Ali, teve início um cabo de guerra que Kevin e Mike nunca teriam como vencer. Em 2019, eles formalizaram sua demissão da empresa, Adam Mosseri assumiu como Head do Instagram e a influência de Zuckerberg sobre a plataforma aumentou exponencialmente.
“Na opinião de Zuckerberg, a Facebook Inc. estaria ameaçada se o aplicativo Facebook não prosperasse.
(…) Systrom percebeu que todo o trabalho que o Instagram havia feito - construir a segunda maior rede social, desenvolver a primeira linha significativa de receita desde os anúncios do feed de notíicas, ajudar a chamar a atençao de jovens e celebridades, a evoluir a cultura do mundo - não seria recompensado com o apoio necessário para continuar avançando significativamente.
(…) Zuckerberg queria criar mais navegação entre os aplicativos, para que seus usuários pudessem alternar facilmente entre eles. Muitos funcionários estavam céticos quanto ao fato de o público querer pontes entre os aplicativos, uma vez que as pessoas os usavam por diferentes razões.
(…) Nos meses após a saída dos fundadores do Instagram, o aplicativo foi renomeado: “Instagram from Facebook”. (…) No final de 2019, a frequência de publicidade aumentou. Também havia mais notificações e recomendações mais personalizadas sobre quem seguir.”
.
De lá pra cá, a simplicidade que era valor essencial no início do Instagram foi atropelada por diversas features diferentes - uma loja dentro da plataforma, IGTV e depois Reels, Avatares personalizados, transmissões ao vivo e as incontáveis mudanças no algoritmo.
Agora, o Feed vai mudar, se aproximando (até demais) do TikTok, priorizando os vídeos e tentando forçar uma experiência imersiva. Ver as publicações dos seus amigos? Só depois de passar por muitos anúncios e estranhos “recomendados”. Ver fotos na timeline? Já parece meio “2010”.
Por essas e outras, a gente pode afirmar que o Instagram acabou. Mas talvez o culpado não seja o TikTok.
Talvez ele tenha acabado muito antes, quando os fundadores venderam para o Facebook. Ou mais adiante, quando eles saíram da empresa e deixaram sua ideia à mercê dos interesses de Zuckerberg.
Talvez ele tenha acabado quando os Stories chegaram e determinaram a diferença entre momentos e ângulos que “valiam” a sua timeline, e outros que era melhor deixar só por 24h, causando uma mudança significativa na interação das pessoas ali.
Talvez tenha sido a cultura do “influenciador” e da rede social como marketplace de tudo, mas especialmente da imagem, que eventualmente iria esgotar as relações genuínas que o Instagram poderia fomentar.
Ou talvez o seu fim tenha acontecido a cada nova feature, que tornaram esse aplicativo praticamente irreconhecível para a geração que teve seu comportamento, consumo, carreira e autoestima moldados por ele na última década.
Seja como for, não tem mais volta para o Instagram.
Nem para nós, que queremos ver fotos, ver gente conhecida, ver os momentos banais filtrados de sempre.
Nem para as marcas e criadores de conteúdo, que têm trocado a comunicação estática por roteiros cada vez mais elaborados na busca por atenção (e likes).
Não tem volta nem pras Kardashians.
.
“A mídia social não é apenas um reflexo da natureza humana. É uma força que define a natureza humana, por meio de incentivos à maneira como os produtos são criados.
(…) Os aplicativos começam com motivações aparentemente simples. Então, à medida que se enredam na vida cotidiana, os sistemas de recompensas dos seus produtos têm um impacto sobre como as pessoas se comportam, que é mais profundo do que qualquer marca ou marketing jamais poderia alcançar.”
⭐ Momento de Inspiração
O LinkedIn lançou uma nova feature - agora é possível reagir com “engraçado” à publicações. Ao invés de anunciar isso de forma “corporativa”, eles convidaram a comediante Mindy Kailing para mostrar que humor e carreira podem, sim, se relacionar (e não só quando estamos rindo de nervoso). A publicação tem quase 75 mil likes e reações - e 15 mil pessoas já usaram o botão de “engraçado”.
Troca de abas
Você aceita esses cookies? Já parou pra pensar no que isso realmente significa? Já leu os textos que acompanham esse botão? Esse case do Growth Design me fez refletir sobre todas essas perguntas.
Anonimato digital. “Você não está ali pra representar a sua identidade, você está ali pra relaxar”. Aparentemente, a nova geração tem tentado se livrar da obrigação de sustentar uma “marca pessoal” online. Ao invés disso, eles criam nomes de usuário aleatórios e focam em se aprofundar nos seus interesses.
Boca Rosa no Metaverso. Ela lançou a avatar Pink, na mesma lógica da Satiko, da Sabrina Sato. Pink é funcionária da sua empresa, e vai ser a sua representante e das marcas do grupo no universo virtual.
Fyre Festival brasileiro? Parece que o evento UcconX é o misto de golpe, confusão e flop que vai ocupar o Twitter nos próximos dias. Nível: ingressos de R$ 5.000,00 prometendo acesso a celebridades como Millie Bobby Brown, que em cima da hora “não pôde comparecer”.
👩🏻💻 Dica da Bia
O fim
Uma vez eu escrevi que a gente fala muito sobre fazer as coisas pela primeira vez, mas fala menos do que deveria sobre fazer as coisas várias vezes (esse é um dos meus textos favoritos, você pode ler aqui).
E talvez menos ainda do que continuar, a gente fala pouquíssimo sobre encerrar.
Na internet, sinto que a gente oscila entre esperar que as pessoas sempre estejam ali (quem aqui segue uma blogueira desde a época que ela tinha blog e tirava foto com Cybershot?), e ir deixando de lado até que o tempo passou e você nem lembra mais.
E aí tem a Jout Jout. Que voltou de uma pausa para botar um ponto final claro à sua jornada como criadora de conteúdo no YouTube e, de certa forma, a uma fase da sua e das nossas vidas.
Recomendo demais assistir. Especialmente se você, como eu, cresceu junto com ela e lembra onde estava na primeira vez que assistiu ao vídeo do “batom vermelho”. Consigo ouvir a palavra “guardanapinho” com aquela entonação dela até hoje.
Bons tempos de uma internet que não volta mais.
obrigada por ler até o final, e não esqueça de compartilhar :)
👩🏻💻 curadoria e textos por Beatriz Guarezi. estrategista de marcas, curadora de conteúdo e escritora de e-mails.
📚 se você está em busca da próxima leitura, confira a Biblioteca Bits to Brands, com indicações de livros em desenvolvimento pessoal, ficção, marketing e tecnologia.
Quando o Instagram começa a sugerir post aleatório no feed eu mudo para o feed antigo, é temporário mas tenho feito sempre isso para manter do jeito que eu gosto. Eu mesma já desanimei de postar no feed por causa da entrega. Veremos o que vai acontecer.
Amei a edição Bia! E ja fiquei com vontade de ler o livro. Engraçado quando algo que a gente sente é posto em palavras, a percepção que dá é quase uma epifania hahaha ...a primeira vez que tive contato com esse novo Instagram, eu achei que tava bugado 😆
Sou da geração que acompanha blog escrito também! Acompanhei por muito tempo o Menos 1 lixo e outro sobre guarda roupa capsula Unfancy, da Caroline Rector!
obs: sou fã do Growth Design e o case dos cookies foi muito bom!
Bjs e obrigada pelas quintas de leitura incrível