nas edições anteriores
#252 | Brandformance, parte 2
#253 | Pocket
tempo de leitura: 6 minutos
para entender
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Era uma vez, uma época em que nós tínhamos as coisas que gostávamos.
“Ter” no sentido de possuir, de ser dono mesmo.
Nos anos 2000, gostar de uma banda significava ter os seus CDs.
Começava por descobrir que um novo álbum vinha aí, e aguardar ansiosamente a sua chegada. Muitas vezes por meses, mas tudo bem porque dava tempo de economizar.
Na data de lançamento, você saía da sua casa e ia até a loja de CDs mais próxima, na esperança de que eles já tivessem recebido.
Com o CD em mãos, você voltava para casa, aguardando o momento em que ia tirar o plástico, abrir a capa e, meio que tudo ao mesmo tempo, dar play e pegar o encarte.
Depois de ouvir várias vezes do início ao fim, você guardava o disco na capa e guardava o CD com o restante da sua coleção - em uma prateleira, uma gaveta, ou até num organizador feito especialmente para isso:
Aquele CD ou DVD morava na sua casa, para ser repetido quantas vezes você quisesse.
As coisas que a gente mais gostava nos tomavam tempo e espaço. E elas eram nossas.
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Essa relação de posse fazia toda a diferença, porque eram tempos de acesso difícil.
Para assistir a um episódio da sua série favorita, ou você conferia na programação do canal de TV os horários da reprise, ou ia até a locadora torcendo para que ninguém mais tivesse tido a mesma ideia.
Para quem é acostumado a dar play com um simples toque na tela, essa jornada pode parecer uma odisseia. Mas era a melhor opção.
A gente tinha música, filmes e séries, em coleções que ocupavam de gavetas a paredes inteiras, tornando-se tão parte da decoração quanto das nossas personalidades.
Até que a ânsia de ter mais opções, de forma cada vez mais fácil, nos trouxe a 2024 e o tal "tédio de possuir”.
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A transição da mídia física para os downloads, e depois para o streaming, marcou de forma definitiva a forma com que nos relacionamos com música e entretenimento.
Hoje, são dezenas de serviços disponíveis, cada um com centenas de milhares de opções em seus catálogos, e algoritmos desenvolvidos para nos apresentar algumas de cada vez.
Essa é a era do acesso.
Uma época em que nossos gostos estão a poucos segundos de distância, sem qualquer limite de espaço físico, e espalhados em uma infinidade de formatos e canais.
Ficou mais barato e mais fácil ser fã de um artista, ou ser interessado por um gênero de cinema. Além de bem mais profundo.
A gente tem conteúdo infinito sobre aquilo que sabe que gosta, e é constantemente exposto a coisas novas que pode gostar.
Deveria ser o paraíso.
Mas, às vezes, dá saudade da locadora.
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Temos todo o acesso que o nosso cartão de crédito pode assinar, mas não somos donos de nada.
Na prática, isso significa que as plataformas acrescentam e removem títulos dos seus catálogos a todo momento. Que os algoritmos oscilam entre mostrar o que você gostaria, e o que elas gostariam. Que você pode pagar todos os serviços, e ainda assim não encontrar algo específico.
E que pode passar muito mais tempo na tal “claustrofobia da abundância”, sufocado por tantas opções, do que de fato assistindo algo.
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Quem tem mais acesso? Quem tem milhares de opções de forma instantânea porém efêmera, ou quem tem apenas o que mais gosta para sempre?
A lógica permanece: antigamente, o consumo era baseado em posse. Hoje, ele é pautado pelo acesso.
Isso vale para os nossos gostos, experiências, tecnologias, produtos e também para as marcas envolvidas.
Mas enquanto evoluímos em conhecimento, disponibilidade e até serendipidade, há aspectos importantes da experiência que não deveriam ficar para trás.
A saga de comprar um CD criava memórias mais profundas, baseadas na expectativa e no esforço envolvidos.
Ouvi-lo do início ao fim é entender o que o artista quis dizer, e navegar pelas diferentes emoções da narrativa.
Uma curadoria de obras pode ser exposta na parede como um museu de quem se é, ou guardada a sete chaves como o que há de mais valioso - mas é a representação física da personalidade de alguém.
A era do acesso expandiu os nossos limites - menos espaço físico, infinito espaço virtual.
Mas não há por que comprimir experiências, ou reduzir recordações.
Talvez por isso tanta gente tem aberto espaço nas suas salas de estar para discos de vinil e DVDs.
Aquilo que eles preenchem não cabe em nenhum catálogo de streaming.
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Para saber mais:
_ No Canvas8, “Gen Z Music Fans are Boosting Physical Sales” [link]
_ Na Vulture, “TV Disappears, but HBO Max removing shows feels different” [link]
_ No Hollywood Reporter, “Disappearing movies and streaming’s forgetful era” [link]
_ Na Vox, “The perfect escape from our online world” [link]
para inspirar
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Por trás de uma marca consistente, que sabe se adaptar a diferentes culturas sem perder a linguagem e essência que a torna tão única, só poderia ter um guia muito claro e completo.
A inspiração de hoje é o brandbook do Duolingo.
para fazer parte da conversa
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As marcas mais valiosas do mundo
Foi lançado essa semana o último ranking das Best Global Brands, da Interbrand. Enquanto o top 5, mais uma vez, não ofereceu surpresa, comparar a edição de 2024 com 2023 mostra algumas movimentações interessantes.
A Nike perdeu posições, enquanto o McDonald's ganhou. O Instagram chegou ao top 15, enquanto a Jordan foi a primeira marca de uma personalidade a estrear no ranking.
No seu total somado, as marcas mais valiosas de 2024 perderam U$ 3,5 trilhões em valor, quando comparadas à 2000. Aqui tem uma reflexão sobre o motivo, e aqui o ranking completo:
para ler com calma
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A grande exaustão [link]
A sensação permanente de cansaço passou a ser encarada como algo coletivo, e é importante entender como as suas causas e consequências atingem a sociedade, do trabalho ao consumo passando, claro, pela tecnologia.
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E se as marcas não quisessem ser infinitas? [link]
A gente fala muito sobre sobreviver ao tempo e a maioria das marcas quer durar décadas, ou até séculos. Mas esse artigo faz um ponto interessante sobre o que a gente faria diferente, sabendo que aquilo é finito.
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As estratégias que funcionam para as bets [link]
Esse artigo é embasado no mercado americano, mas já falamos do branding das bets no Brasil aqui.
“A maior questão pode ser a cultura que estamos criando com tudo isso: um mundo onde o próprio esporte, o encanto da competição e o sentimento de comunidade entre torcedores é mercantilizado. Além disso, claro, podemos estar criando milhões de novos viciados em apostas.”
para quem a gente é fora do trabalho :)
👩🏻💻
Na última edição do TEDxBlumenau, a Hariana Meinke fez um talk sobre as histórias que os objetos contam.
Uma das minhas pessoas favoritas da internet, ela não só é tão legal pessoalmente quanto nos Stories, como emocionou todo mundo enquanto pensava em voz alta sobre os lugares da infância virando prédios, o papel da nostalgia e como “o que os olhos não veem, o coração não sente”.
Se você se identificou com o texto de hoje, vai gostar.
PS: E, claro, assistam Ninguém Quer.
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para dar um tchau
👋🏼
O texto de hoje nasceu da minha dificuldade em me desfazer da minha coleção de CDs e DVDs da adolescência. Que, ao virar um desabafo no Instagram, virou mais uma prova de que nenhuma experiência é individual.
Mexer em tantas emoções e memórias só podia resultar em um texto. Daqueles que eu espero que fale sobre o mundo, mas também sobre cada um de nós :)
Bom final de semana!
- Bia
impecável. I M P E C Á V E L!
Parabéns pelo trabalho Bia, o coração fica quentinho com essa news❤️