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#254 | A era do acesso
tempo de leitura: 7 minutos
para entender
💡
O ano é 2024, e essa semana tivemos Victoria's Secret Fashion Show.
Com a mesma fórmula, e inclusive alguns dos mesmos nomes, era um grande palco com artistas dividindo espaço com supermodelos desfilando lingeries e asas de anjo.
As "angels”, criadas para representar tudo que uma mulher desejava ser nos anos 2000, tinham desfilado pela última vez em 2018.
De lá para cá, o mundo mudou bastante. Essa marca, também.
Trazer de volta o seu momento mais icônico é um símbolo do resgate da sua essência e de um retorno literal às origens, mesmo com toques de atualização. E, claro, o uso da nostalgia como estratégia de conexão emocional.
Mas ao ver uma marca tão claramente tentando voltar no tempo, a pergunta que fica é: é possível?
A armadilha da nostalgia
Não é de hoje que as marcas apelam para o nosso lado nostálgico.
Há dois anos, chamamos isso de Cultura do Conforto, em uma das edições mais compartilhadas até hoje.
A gente gosta de ver rostos conhecidos, de voltar para tempos menos digitalizados e cheios de informação, de esquecer os desafios da vida adulta por um pouco de adolescência.
Se ela vem em forma de uma roupa, ou um cosmético, um vídeo ou um show… tanto faz, pega aqui o cartão de crédito.
O olhar criativo para o passado funciona porque apela tanto para quem busca reviver uma época, quanto para gerações mais jovens, que reproduzem o que nem chegaram a viver em busca de originalidade.
E isso não é uma generalização sobre a Gen Z. Repetir padrões do passado - da moda à tecnologia - é algo comum a todas.
Mas, em um olhar mais atento aos jovens de hoje, seu estilo e suas trends, a gente esperava que as meninas já tivessem aprendido lições que nos custaram muito caro - de calças de cintura baixa à pressão estética desnecessária.
Existe uma linha tênue entre o quanto é legal se conectar a tempos mais simples e felizes, e amplificar discursos de “porque no meu tempo era bem melhor…”.
Para se referir a um tempo em que as mulheres tinham menos liberdade, pessoas LGBTQIA+ tinham menos voz e a maioria das pessoas praticamente não se reconhecia na TV, na comunicação ou nas marcas.
Melhor para quem?
Esse é o pano de fundo de conversas sobre o retorno da glamourização da magreza (simbolizada pela normalização do Ozempic), e da vida doméstica como aspiração feminina (representada pela disseminação das tradwives).
E é nesse contexto que a Victoria's Secret trouxe de volta o seu Fashion Show.
Uma marca no passar do tempo
A VS foi fundada em 1977 e passou as primeiras décadas fazendo uma comunicação voltada para homens. Inclusive, o seu fundador queria uma loja em que pudesse comprar lingerie para a esposa.
Mas, nos anos 90 acontece uma virada em que a marca passa a se comunicar com mulheres, vendendo um ideal do que é ser bonita, sexy e confiante. Acessível, claro, através de um sutiã ou perfume.
“Com suas sacolas cor-de-rosa brilhantes e itens forrados de veludo, a Victoria's Secret era uma referência em sutiãs e roupas íntimas que atraiu milhões de mulheres americanas ao tornar a lingerie sexy tão acessível quanto um par de jeans. (…) A Victoria's Secret se tornou um rito de passagem para as consumidoras que compravam os seus primeiros sutiãs "adultos".” - BBC
A fórmula funcionou muito bem por três décadas, fazendo a marca multiplicar suas lojas, seu faturamento e sua presença no imaginário e no vocabulário das pessoas em todo o mundo.
Até que começou a decair. No final dos anos 2010, a VS viu suas vendas caírem, a concorrência aumentar e trazer novos ideais de sensualidade e confiança para as mulheres, e escândalos de todo tipo ameaçarem a sua continuidade.
Em 2019, teve desfile da SAVAGE X Fenty - e não teve VS Fashion Show.
Em 2021, a marca faz um reposicionamento e promete criar um espaço em que “todas são bem-vindas”. Só que, apesar de mais inclusivo do que nunca, ele é morno, blasé, tons neutros e zero sexy, plumas, brilhos e glamour - como a marca sempre foi.
Não colou.
“A mudança queria sinalizar um afastamento da definição restrita de beleza da marca, mas também marcou o fim de uma era que era sinônimo de fantasia e espetáculo. (…) Ao tentar atrair um público mais amplo, a Victoria’s Secret arriscou diluir a sua identidade de marca e a ligação emocional que tinha cultivado.” - BrandValuer
E é nesse contexto que a Victoria's Secret trouxe de volta o seu Fashion Show.
Construir uma marca duradoura depende da nossa habilidade de preservar o que há de mais reconhecível e diferenciado na nossa essência, e saber se adaptar às mudanças de comportamento, canais, expectativas e até de produto.
Basicamente, essência e contexto.
Quanto à sua essência, a Victoria's Secret precisa ir além da “magreza” ou do “padrão de beleza” como principal conversa em volta da sua marca.
Se a sua essência é sensualidade e autoconfiança feminina, como isso evoluiu nos últimos anos? O que é sexy hoje? Quais são as conversas em torno disso que vão além do corpo? Quais marcas e creators são parcerias interessantes na disseminação dessas ideias?
E quanto ao contexto, ela parece um pouco perdida ao tentar se encaixar. Porque há dois anos a marca deu um “all-in” no empoderamento e positividade, mas esqueceu que isso também poderia ser sexy e cheio de brilho.
Hoje, ela busca no passado a chave para a simpatia das pessoas, guiada pela nostalgia com um pouco de inovação traduzida em "angels” plus size, trans e mais velhas.
Ainda assim, sem um storytelling ou uma produção que seja realmente capaz de transcender a conversa sobre padrões de beleza e rejuvenescer a marca.
Parece que entramos em uma máquina do tempo.
O tempo não volta
Entre 2018 e 2014, nós fomos expostos a muitas outras referências - do que é sexy, do que é beleza, e do que é cultura.
Tivemos a Fenty, da Rihanna. Tivemos a própria Ashley Graham, que esteve na passarela essa semana tão “angel” quanto qualquer outra. Temos Liniker batendo recordes no Spotify desde o lançamento de CAJU.
Tudo bem a Victoria's Secret voltar para o que sabe fazer - é seu posicionamento enquanto marca, e certamente vai agradar muita gente.
Tudo bem a gente se admirar com a beleza atemporal de mulheres indiscutivelmente lindas como Kate Moss, Alessandra Ambrosio e Tyra Banks.
Uma das máximas do branding é que posicionamento é fazer escolhas. Essa marca pode contar a história que ela quiser e, inclusive, aprendeu a sua lição ao tentar contar várias histórias ao mesmo tempo.
Ela só não é mais a única história sendo contada.
Por mais que o “back to basics” seja uma estratégia a ser testada (e pode funcionar!), e que muitas jovens ainda associem beleza e sensualidade à magreza (tão ou mais do que há 15 anos), a gente sabe que pode ser diferente.
A gente já viu, vivenciou e aprendeu que há outros corpos, outras belezas, outras conversas - e, claro, outras marcas.
Ao trazer de volta o seu Fashion Show, a Victoria's Secret não deve fazer exatamente como fazia nos anos 2010, confiando que será recebida como era nos anos 2010.
Infelizmente, não dá para voltar no tempo.
Felizmente, não dá para voltar no tempo.
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Para saber mais:
_ A ótima análise da Fashionismo, com ênfase na marca e no desfile em si [link]
_ Na BBC, “Victoria's Secret: a polêmica marca de lingerie vai conseguir consertar sua imagem?” [link]
_ Na BrandValuer, “The Dilemma of “Woke” Rebranding: How Victoria’s Secret Lost Its Magical Brand Worth” [link]
_ Na CMSWire, “Victoria's Secret Rebrand: Insights & Lessons From a Billion-Dollar Loss” [link]
para inspirar
✨
Como parte do seu manifesto e posicionamento como “LifeWear”, a UNIQLO lançou uma minissérie chamada “What Makes Life Better?” (o que torna a sua vida melhor?). Uma pergunta que foi respondida por profissionais e embaixadores da marca, e é uma amostra de branded content que dá vontade de assistir enquanto reforça a proposta de valor da marca.
para ler com calma
📄
O retorno da Abercrombie [link]
Comunicação, experiência de loja, grade de tamanhos, tecidos… As diferentes formas que a Abercrombie & Fitch tem revolucionado produto e negócio para reinventar a marca. Uma referência bem adequada para a edição de hoje.
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O rebranding de Mark Zuckerberg [link]
Não, não foi só você que notou. Nas suas últimas aparições, o CEO da Meta está bem diferente - em cabelo, roupas e postura - do homem robótico e antissocial de outrora. E é claro que parecer assim casual, não é algo casual.
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Namoradas virtuais [link]
Produtividade e processos, sim. Mas a grande revolução da IA será também no amor e nos relacionamentos. Esse artigo da Esquire reúne histórias reais de homens que se relacionam com inteligências artificiais.
Na edição 204, falamos em detalhe sobre o Amor em tempos de IA.
para quem a gente é fora do trabalho :)
👩🏻💻
A última vez que estivemos realmente entretidos aqui em casa, foi assistindo à primeira temporada dessa série.
Uma produção argentina, cujo protagonista é um zelador que de repente vê o seu emprego e moradia ameaçados por uma reforma no condomínio. Ele, então, tenta conquistar, um a um, os votos dos moradores de cada apartamento - das maneiras mais inusitadas.
“Meu Querido Zelador” está disponível no Disney+.
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para dar um tchau
👋🏼
Eu poderia ter guardado essa edição para chegar de manhã, mesmo que na sexta, mas no minuto que dei o ponto final no texto, sabia que não ia conseguir esperar.
Estou animada pra seguir essa conversa com vocês - aqui na caixa de entrada, nos comentários, e nas redes sociais.
- Bia
Li atrasada e foi muito bom ver que não reparei nisso sozinha. O surto (principalmente do twitter) com o retorno desse desfile me fez ter certeza que as pessoas realmente tem a memória curta... Lindo texto <3
Incrível e cirúrgico!